3 de set. de 2025

Como a IA está transformando o Poder Judiciário brasileiro

Uma imagem mostra Silvia Badaró, uma mulher de cabelos longos e loiros, vestindo uma jaqueta preta sobre uma blusa cinza, sorrindo para a câmera. Ao lado dela, há um quadrado com a imagem de uma balança da justiça em um fundo azul escuro.
Uma imagem mostra Silvia Badaró, uma mulher de cabelos longos e loiros, vestindo uma jaqueta preta sobre uma blusa cinza, sorrindo para a câmera. Ao lado dela, há um quadrado com a imagem de uma balança da justiça em um fundo azul escuro.

Quando o IA começava a se popularizar em 2022, o entusiasmo com as novas possibilidades veio acompanhado de desconfiança e receio. Surgiram alertas sobre uso indevido, riscos éticos e impactos na tomada de decisão humana. No setor do judiciário, não foi diferente: temia-se que algoritmos pudessem comprometer a imparcialidade ou até substituir o olhar crítico dos magistrados.

Três anos depois, esse cenário já está diferente. Longe de ser apenas uma ameaça, a IA no Judiciário passou a ser reconhecida como uma ferramenta poderosa para aumentar a eficiência e melhorar a prestação jurisdicional — desde que acompanhada de regulamentação rigorosa e supervisão constante.

Em março de 2025, o CNJ publicou a Resolução nº 615/2025, estabelecendo diretrizes claras para o uso seguro e ético da IA nos Tribunais brasileiros. A norma reconhece o potencial transformador da tecnologia, mas reforça que a inovação deve caminhar junto com a preservação dos valores fundamentais da Justiça.

Digitalização e a adoção da IA no Judiciário

A digitalização do Judiciário preparou o terreno para essa transformação. Segundo o relatório Justiça em Números 2024 do CNJ, 90,6% dos processos em tramitação e 99,6% dos novos casos já são eletrônicos. Essa infraestrutura, aliada à Resolução CNJ nº 332/2020 e à criação da Plataforma Sinapses, permitiu que os Tribunais começassem a implementar soluções de IA com segurança e auditoria.

De acordo com o Painel de Pesquisa de IA do CNJ (2024), 80% dos Tribunais brasileiros já possuem projetos ativos, somando 140 iniciativas. Ferramentas como Victor (STF) e Rafa (STF) têm agilizado a triagem processual, a análise documental e a identificação de demandas repetitivas — resultando em ganhos de até 60% na velocidade de revisão de documentos.

Além disso, a Maat (TJDFT) analisou 660 mil processos com 86,3% de acurácia, enquanto o Chat-JT (TRT-15) tornou-se a primeira ferramenta de IA generativa desenvolvida para a Justiça do Trabalho. Já o TRF-1 implementou, em 2025, um curso pioneiro de capacitação para novos juízes federais, integrando tecnologias de forma responsável às rotinas do Tribunal.

Ainda segundo o Painel de Pesquisa de IA do CNJ (2024), os benefícios são claros: maior eficiência e agilidade no processamento de documentos (74%), otimização de recursos e redução de custos operacionais (68%) e automação de tarefas repetitivas e burocráticas (63%).

Mais do que automatizar tarefas burocráticas, esses sistemas liberam juízes e servidores para se concentrarem em análises mais complexas. Em alguns casos, atuam também como apoio à decisão, reunindo dados, indicando precedentes e aprimorando a qualidade da cognição judicial. 

Dificuldades e desafios percebidos

Apesar dos avanços, a adoção da IA no Judiciário ainda enfrenta barreiras importantes. Segundo o relatório da CNJ de 2024, estão entre as principais dificuldades:

  • Familiaridade e confiança: muitos magistrados e servidores apontam falta de familiaridade com as ferramentas, incorreções ou imprecisões no conteúdo gerado e dúvidas quanto à licitude e ética do uso. Uma pesquisa do CNJ revela que 48,9% dos magistrados ainda não confiam plenamente nos resultados produzidos por sistemas de IA.

  • Preocupações éticas e legais: há dúvidas sobre a legitimidade do uso de IA (entre 10% e 15% dos respondentes), o que pode gerar falta de transparência e dificultar a revisão do trabalho automatizado dentro das práticas funcionais do Judiciário.

Esses desafios reforçam a importância de regulamentações como a Resolução nº 615/2025, além de programas de capacitação e alfabetização digital para garantir um uso mais seguro e consciente da tecnologia.

Governança, ética e regulamentação: um tripé indispensável

A consolidação da IA no Judiciário depende de um tripé essencial: governança, ética e regulamentação. Diversos Tribunais têm criado comitês de inovação e laboratórios especializados para desenvolver soluções alinhadas aos princípios constitucionais. O programa Justiça 4.0, coordenado pelo CNJ, reforça a integração entre inovação tecnológica e responsabilidade institucional.

A Plataforma Sinapses, aprovada pela Resolução n. 332/2020 do CNJ, desempenha papel central nesse processo, permitindo versionamento, auditoria e controle dos modelos de IA. É necessário um marco jurídico robusto para dar segurança e transparência ao uso de algoritmos no sistema judicial.

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O futuro da IA no Judiciário brasileiro

Com a Resolução nº 615/2025 em vigor, a tendência é que a IA avance de forma mais estruturada e segura. Capacitação contínua de magistrados e servidores, parcerias com universidades e centros de pesquisa e desenvolvimento de soluções inclusivas serão fatores-chave para esse avanço. Relatórios internacionais, como o da Thomson Reuters, indicam que metade dos profissionais judiciais ainda não tem tempo suficiente para suas tarefas atuais, reforçando o potencial da automação inteligente para aliviar gargalos e melhorar a qualidade do trabalho.

A IA no Judiciário brasileiro deixou de ser apenas motivo de preocupação e passou a representar uma oportunidade concreta de transformação. A regulamentação recente do CNJ, somada à experiência acumulada pelos Tribunais, aponta para um caminho de uso seguro, ético e eficiente, equilibrando inovação tecnológica e os princípios fundamentais da Justiça. O desafio agora é garantir que cada avanço tecnológico seja acompanhado da mesma velocidade em supervisão e responsabilidade.